sexta-feira, 24 de julho de 2015

Cobras e sapos (J. G. Pascale)

Na ânsia de querer ficar com alguém,
se essa mulher escolher a pessoa errada...

Sou muito grato a um velho amigo, Seu Pereirinha, na época com mais de 80 anos, pela memorável lição que me deu um dia. “Ela não quer você? Quem perde? Talvez você – ... sim, ou não... –, mas, neste caso, é ela quem perde mais”, falou com serenidade e um sorriso nos esquálidos lábios. A princípio, pareceu-me intrincada charada amorosa com significado quase indecifrável; eu era inexperiente e tinha receio de ficar sozinho pelo resto da vida.
O período da adolescência até os vinte e uns é sempre propício aos erros, é quando se faz muitas bobagens. No meu caso, colecionei algumas, não vou esconder, embora tenha tirado lições disso – de umas, de imediato, de outras, tardiamente. Devo confessar, ainda, que andei conhecendo vários desenganos pela vida, às vezes como reincidente contumaz.
A moça em questão, pivô da situação em que me encontrava, era uma pessoa – para usar termos empregados por Seu Pereirinha –, um tanto “leviana, cuja reprovável conduta era conspícua”, ressaltara meu provecto amigo. Palavras fortes, porém verdadeiras, como o tempo viria a confirmar.
O fato é que não me queria: “Eu disse não, ponto final”, foram suas palavras definitivas. Tinha pouco a oferecer, na verdade; ela esperava de mim algo de que não tinha disponibilidade.
É amargo o sabor da rejeição, também conhecida como recusa, repúdio, repulsa; vocábulos aparentados com desdenhar, desprezar, menosprezar – com idênticos e dolorosos significados, impregnados de veneno. O aprendizado vem de graça, às vezes; em outras, custa caro.
Entre o semancol e o semantema,1 mais do que imaginamos, existe distância incomensurável, como a que há entre a malandragem e a cultura. Uma dose de semancol pode poupar grandes sofrimentos; não obstante, alimentar-se de um pouco de semântica2 pode valer por uma existência, assim diria certa bela professora que conheço bem. Como são bonitas as professoras de Português – quero dizer, em todos os sentidos – com sua verve didática!...
  “Não tem jeito, não; é ele que eu amo, não vou querer outro jamais. É ele, ou ninguém” – dizia a mulher, sem perceber que estava quase em manso estado de desvario. Ela desejava aquele, só aquele homem, como se não existisse outro no mundo. Há casos incontáveis em que a rejeição é uma bênção.
Na ânsia de querer ficar com alguém, se essa mulher escolher a pessoa errada – são as fixações... – ou, à vista de uma cambada, deixar-se escolher pelo pior, isso será uma eterna fonte de sofrimentos para ela. Se ficar com alguém que não vale nada, que não lhe dá a menor perspectiva de felicidade, certamente irá experimentar os mais dramáticos momentos da vida. Saber esperar é preciso.
Muitas pessoas parecem mesmo não se importar com eventuais repúdios amorosos. Não sei se têm “casca grossa”, ou conhecem bem as “regras do jogo”. Preocupam-me as que sentem demais a recusa, que sofrem muito depois, ou até sintam menos o impacto, quase nada, mas ainda assim sentem. Tem gente que demora meses, anos, para se recuperar plenamente. Para essas, gostaria de revelar a profunda lição de Seu Pereirinha.
Sempre que sofrer uma rejeição, erga as mãos para o Céu e agradeça, porque não era para ser aquela pessoa. Foi melhor assim. Com o tempo – esse mestre insuperável –, aprendemos a assimilar os golpes e, inclusive, conseguimos ver aspectos positivos nas recusas.
Ah, Seu Pereirinha, que me presenteou com um precioso segredo. As suas foram palavras de Vida. “Você não vê?... Ela não o conhece, não sabe quem é você. Por isso ela perde mais e, neste caso, você ganha. Confie em Deus – sempre que Ele faz uma cobra, faz também um sapo”, disse e pôs a mão em meu ombro. Sim, só fica sozinho na vida quem faz essa opção.

1 Parte da palavra que contém seu significado.
2 Em Linguística, o estudo do significado das palavras.



J. G. Pascale
Nascido na Penha, Cidade do Rio de Janeiro, J. G. Pascale reside na Capital paulista. Graduado em Filosofia, é jornalista, trabalhando como redator, revisor e produtor editorial. Já foi ghost-writer – “para sobreviver com honestidade nos dias mais difíceis”, conta –, o que foi muito útil como exercício prático. Dedica-se atualmente à Literatura por puro prazer, com preferência por crônica, conto e romance.
Faz parte do grupo de autores e cronistas coordenados por Christina Ramalho e participou das antologias água terra fogo ar. crônicas elementais (2011, Rio de Janeiro: Uapê) e Gente (Crônicas) (2015, Rio de Janeiro, Oficina Editores). 


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