Na ânsia de querer
ficar com alguém,
se essa mulher
escolher a pessoa errada...
Sou
muito grato a um velho amigo, Seu Pereirinha, na época com mais de 80 anos, pela
memorável lição que me deu um dia. “Ela não quer você? Quem perde? Talvez você –
... sim, ou não... –, mas, neste caso, é ela quem perde mais”, falou com
serenidade e um sorriso nos esquálidos lábios. A princípio, pareceu-me
intrincada charada amorosa com significado quase indecifrável; eu era
inexperiente e tinha receio de ficar sozinho pelo resto da vida.
O
período da adolescência até os vinte e uns é sempre propício aos erros, é
quando se faz muitas bobagens. No meu caso, colecionei algumas, não vou
esconder, embora tenha tirado lições disso – de umas, de imediato, de outras,
tardiamente. Devo confessar, ainda, que andei conhecendo vários desenganos pela
vida, às vezes como reincidente contumaz.
A
moça em questão, pivô da situação em que me encontrava, era uma pessoa – para
usar termos empregados por Seu Pereirinha –, um tanto “leviana, cuja reprovável
conduta era conspícua”, ressaltara meu provecto amigo. Palavras fortes, porém
verdadeiras, como o tempo viria a confirmar.
O
fato é que não me queria: “Eu disse não, ponto final”, foram suas palavras
definitivas. Tinha pouco a oferecer, na verdade; ela esperava de mim algo de
que não tinha disponibilidade.
É
amargo o sabor da rejeição, também conhecida como recusa, repúdio, repulsa; vocábulos
aparentados com desdenhar, desprezar, menosprezar – com idênticos e dolorosos
significados, impregnados de veneno. O aprendizado vem de graça, às vezes; em
outras, custa caro.
Entre
o semancol e o semantema,1 mais do que
imaginamos, existe distância incomensurável, como a que há entre a malandragem
e a cultura. Uma dose de semancol pode poupar grandes sofrimentos; não
obstante, alimentar-se de um pouco de semântica2 pode valer por
uma existência, assim diria certa bela professora que conheço bem. Como são
bonitas as professoras de Português – quero dizer, em todos os sentidos – com sua
verve didática!...
“Não tem jeito, não; é ele que eu amo, não
vou querer outro jamais. É ele, ou ninguém” – dizia a mulher, sem perceber que
estava quase em manso estado de desvario. Ela desejava aquele, só aquele homem,
como se não existisse outro no mundo. Há casos incontáveis em que a rejeição é
uma bênção.
Na
ânsia de querer ficar com alguém, se essa mulher escolher a pessoa errada – são
as fixações... – ou, à vista de uma cambada, deixar-se escolher pelo pior, isso
será uma eterna fonte de sofrimentos para ela. Se ficar com alguém que não vale
nada, que não lhe dá a menor perspectiva de felicidade, certamente irá
experimentar os mais dramáticos momentos da vida. Saber esperar é preciso.
Muitas
pessoas parecem mesmo não se importar com eventuais repúdios amorosos. Não sei
se têm “casca grossa”, ou conhecem bem as “regras do jogo”. Preocupam-me as que
sentem demais a recusa, que sofrem muito depois, ou até sintam menos o impacto,
quase nada, mas ainda assim sentem. Tem gente que demora meses, anos, para se
recuperar plenamente. Para essas, gostaria de revelar a profunda lição de Seu
Pereirinha.
Sempre
que sofrer uma rejeição, erga as mãos para o Céu e agradeça, porque não era
para ser aquela pessoa. Foi melhor assim. Com o tempo – esse mestre insuperável
–, aprendemos a assimilar os golpes e, inclusive, conseguimos ver aspectos
positivos nas recusas.
Ah,
Seu Pereirinha, que me presenteou com um precioso segredo. As suas foram palavras
de Vida. “Você não vê?... Ela não o conhece, não sabe quem é você. Por isso ela
perde mais e, neste caso, você ganha. Confie em Deus – sempre que Ele faz uma
cobra, faz também um sapo”, disse e pôs a mão em meu ombro. Sim, só fica
sozinho na vida quem faz essa opção.
1 Parte da palavra
que contém seu significado.
2 Em Linguística, o
estudo do significado das palavras.
J. G. Pascale
Nascido na Penha, Cidade do Rio de
Janeiro, J. G. Pascale reside na Capital
paulista. Graduado
em Filosofia, é jornalista, trabalhando como redator, revisor e produtor
editorial. Já foi ghost-writer –
“para sobreviver com honestidade nos dias mais difíceis”, conta –, o que foi
muito útil como exercício prático. Dedica-se atualmente à Literatura por puro prazer,
com preferência por crônica, conto e romance.
Faz parte do grupo de autores e cronistas coordenados por Christina Ramalho e participou das
antologias água terra fogo ar. crônicas
elementais (2011, Rio de Janeiro: Uapê) e Gente
(Crônicas) (2015, Rio de
Janeiro, Oficina Editores).
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