terça-feira, 28 de julho de 2015

Massinha de modelar

Hoje, ao acordar, me veio a lembrança de minha irmã mais velha voltando da escola, eu sempre a esperava na calçada de minha casa ansioso para ver quais seriam as suas tarefas daquele dia. Nesse tempo eu ainda não estudava e tinha uma enorme curiosidade de saber que lugar era esse chamado Escola. Eu sabia que era um lugar muito divertido, pois minha irmã me dizia que lá todo mundo ganhava uma tia, todo mundo tinha uma mochila e vários cadernos para rabiscar. Ah, e o principal: todo mundo tinha massinha de modelar... Passou algum tempo e minha mãe disse-me que eu iria começar a estudar também. Ela comprou mochila, vários cadernos, lápis, borracha e muitas massinhas de modelar. No primeiro dia de aula eu estava muito curioso para saber quem seria minha nova tia, eu tinha outras tias, mas as outras eu já as conhecia desde bebê e essa seria nova. Minha mãe me levou até uma sala toda colorida, com várias mesinhas, cadeiras e brinquedos e, apontando para uma mulher sorridente, disse: Essa é a sua nova tia, você agora vai ficar com ela, seja um menino obediente, mais tarde eu venho te buscar. Minha tia deu-me um beijo e me levou até uma cadeira. Eu sentei e fiquei observando as outras crianças, algumas choravam desesperadamente (acho que elas estavam doentes), outras estavam correndo de pega-pega e algumas sentadas assim como eu. Algum tempo depois, a nossa tia começou a contar historinhas e todo mundo ficou curioso para ouvir, até as crianças que estavam com dor pararam de chorar. No fim da manhã, minha mãe apareceu na porta da sala para me levar para casa. Despedi-me da minha tia e fomos embora. Alguns anos se passaram e algumas coisas mudaram, agora, eu já tinha conhecido outras tias e já sabia ler, escrever e contar, essas tias passaram a ser chamadas de professoras e também passei a ter professores. Essas mudanças eu até que aceitei rápido, só não entendi porque ninguém mais brincava de massa de modelar no recreio. Com o tempo, mudanças outras surgiram, eu tinha vários professores, todos eles ensinavam em tempos denominados de horários e não mais a manhã completa como antes, surgiram outras disciplinas, algumas eu passei a gostar de cara como Redação, Literatura e Filosofia, mas apareceram outras que doía a cabeça só de ouvir o nome como Física e Química, sem falar em Matemática que insistia em me seguir ano após ano. Nesse tempo, com algumas mudanças, achei que as massas de modelar voltariam, mas nada de elas voltarem. Daí chegou o dia em que tive que fazer uma prova e escolher o que iria optar a estudar e trabalhar no futuro, claro que optei por aquilo que sempre gostei: estudar português e trabalhar na escola. Essa foi mais outra fase, outros professores, outros colegas, a escola agora era bem maior e tinha mudado de nome, era outro mundo. Nela, os professores eram diferentes, eles nos ensinavam como ensinar. Aprendemos coisas desde os sons da fala, passando pela construção das palavras, das frases, dos textos, dos discursos, sem contar nas teorias literárias, nas literaturas brasileiras, portuguesas, africanas... Hoje, estou na reta final dessa fase que também não houve massinha de modelar como aquela que minha tia dava na escola para a gente brincar, mas sei que essa massinha sempre esteve presente, durante esses anos, personificada na figura de meus professores, estes, me modelaram, me juntaram com diferentes massinhas e me ensinaram como modelar. E sei que, assim como a massinha de modelar, estarei sempre sendo modelado e me modelando, pois essa é a parte mais divertida da massinha de modelar.

Flávio Passos
Sergipano e cinéfilo. Graduado em Letras, mestrando em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Sergipe. Grande sonhador, apaixonado por cães e pelo mar. Ama poesia, faz parte do grupo
Ampulheta - blog de escritores que publicam crônicas - e acredita piamente no poder das palavras.

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