Hoje,
ao acordar, me veio a lembrança de minha irmã mais velha voltando da escola, eu
sempre a esperava na calçada de minha casa ansioso para ver quais seriam as
suas tarefas daquele dia. Nesse tempo eu ainda não estudava e tinha uma enorme
curiosidade de saber que lugar era esse chamado Escola. Eu sabia que era um
lugar muito divertido, pois minha irmã me dizia que lá todo mundo ganhava uma
tia, todo mundo tinha uma mochila e vários cadernos para rabiscar. Ah, e o
principal: todo mundo tinha massinha de modelar... Passou algum tempo e minha
mãe disse-me que eu iria começar a estudar também. Ela comprou mochila, vários
cadernos, lápis, borracha e muitas massinhas de modelar. No primeiro dia de
aula eu estava muito curioso para saber quem seria minha nova tia, eu tinha
outras tias, mas as outras eu já as conhecia desde bebê e essa seria nova.
Minha mãe me levou até uma sala toda colorida, com várias mesinhas, cadeiras e
brinquedos e, apontando para uma mulher sorridente, disse: Essa é a sua nova
tia, você agora vai ficar com ela, seja um menino obediente, mais tarde eu
venho te buscar. Minha tia deu-me um beijo e me levou até uma cadeira. Eu
sentei e fiquei observando as outras crianças, algumas choravam
desesperadamente (acho que elas estavam doentes), outras estavam correndo de
pega-pega e algumas sentadas assim como eu. Algum tempo depois, a nossa tia
começou a contar historinhas e todo mundo ficou curioso para ouvir, até as
crianças que estavam com dor pararam de chorar. No fim da manhã, minha mãe
apareceu na porta da sala para me levar para casa. Despedi-me da minha tia e
fomos embora. Alguns anos se passaram e algumas coisas mudaram, agora, eu já
tinha conhecido outras tias e já sabia ler, escrever e contar, essas tias
passaram a ser chamadas de professoras e também passei a ter professores. Essas
mudanças eu até que aceitei rápido, só não entendi porque ninguém mais brincava
de massa de modelar no recreio. Com o tempo, mudanças outras surgiram, eu tinha
vários professores, todos eles ensinavam em tempos denominados de horários e
não mais a manhã completa como antes, surgiram outras disciplinas, algumas eu
passei a gostar de cara como Redação, Literatura e Filosofia, mas apareceram
outras que doía a cabeça só de ouvir o nome como Física e Química, sem falar em
Matemática que insistia em me seguir ano após ano. Nesse tempo, com algumas
mudanças, achei que as massas de modelar voltariam, mas nada de elas voltarem.
Daí chegou o dia em que tive que fazer uma prova e escolher o que iria optar a
estudar e trabalhar no futuro, claro que optei por aquilo que sempre gostei:
estudar português e trabalhar na escola. Essa foi mais outra fase, outros
professores, outros colegas, a escola agora era bem maior e tinha mudado de
nome, era outro mundo. Nela, os professores eram diferentes, eles nos ensinavam
como ensinar. Aprendemos coisas desde os sons da fala, passando pela construção
das palavras, das frases, dos textos, dos discursos, sem contar nas teorias
literárias, nas literaturas brasileiras, portuguesas, africanas... Hoje, estou
na reta final dessa fase que também não houve massinha de modelar como aquela
que minha tia dava na escola para a gente brincar, mas sei que essa massinha
sempre esteve presente, durante esses anos, personificada na figura de meus
professores, estes, me modelaram, me juntaram com diferentes massinhas e me
ensinaram como modelar. E sei que, assim como a massinha de modelar, estarei
sempre sendo modelado e me modelando, pois essa é a parte mais divertida da
massinha de modelar.
Flávio Passos
Sergipano e cinéfilo. Graduado em Letras, mestrando em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Sergipe. Grande sonhador, apaixonado por cães e pelo mar. Ama poesia, faz parte do grupo
Ampulheta - blog de escritores que publicam crônicas - e acredita piamente no poder das palavras.
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